A eutanásia é uma das decisões mais delicadas dentro da Medicina Veterinária. Apesar de fazer parte da prática clínica, lidar com o fim da vida de um paciente impacta diretamente o emocional do profissional — especialmente quando envolve vínculos com o tutor, dilemas éticos e a sensação de impotência diante de certas situações.
Mais do que um procedimento técnico, a eutanásia exige equilíbrio psicológico, preparo emocional e suporte institucional. O tema vem sendo discutido com mais seriedade nos últimos anos, inclusive por órgãos oficiais como o CFMV, que reconhece o impacto da prática na saúde mental dos profissionais.
Quando a técnica encontra o afeto: o peso da decisão
Ao contrário do que muitos imaginam, a eutanásia não é um ato “frio” para quem executa. Em muitos casos, o médico-veterinário acompanha aquele animal há anos, conhece a história da família e sente a carga emocional da decisão junto ao tutor.
Um estudo publicado na Frontiers in Veterinary Science mostra que a eutanásia é uma das principais causas de sofrimento moral entre veterinários, especialmente quando há divergência entre o estado clínico do paciente e as expectativas do tutor.
Outro ponto crítico é o dilema ético: decidir pelo fim da vida de um paciente, mesmo quando justificado, pode gerar uma sensação de responsabilidade pesada, especialmente em jovens profissionais.
Luto compartilhado: quando o tutor influencia o emocional do veterinário
Muitos médicos-veterinários acabam absorvendo o sofrimento do tutor, principalmente quando a decisão acontece em situações de emergência ou doença crônica. Segundo uma pesquisa da BMC Veterinary Research, a empatia, embora essencial, aumenta os níveis de estresse e pode contribuir para quadros de ansiedade e exaustão emocional.
Esses sentimentos não são sinais de fraqueza — são respostas humanas diante de uma situação emocionalmente intensa.
Sofrimento moral e burnout na Medicina Veterinária
O conceito de “moral distress” (sofrimento moral) é amplamente discutido na medicina humana, mas tem ganhado força também na veterinária. Ele ocorre quando o profissional sabe qual seria a decisão correta, mas enfrenta obstáculos emocionais, financeiros ou familiares para executá-la.
O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) já publicou materiais abordando o aumento de transtornos como estresse, ansiedade e burnout entre profissionais da área, especialmente aqueles que lidam com rotina hospitalar e eutanásia.
Além disso, estudos apontam que a frequência da eutanásia pode levar a um fenômeno chamado “compassion fatigue” (fadiga por compaixão), que interfere na motivação, no bem-estar emocional e na qualidade de vida do médico-veterinário.
O tabu do autocuidado na profissão
Apesar do impacto emocional ser reconhecido por pesquisas e entidades, muitos profissionais ainda não buscam apoio psicológico por medo de julgamento. A ideia de que o médico-veterinário “precisa ser forte” acaba afastando iniciativas de acolhimento.
Instituições de ensino e conselhos regionais têm começado a debater o tema, mas ainda há pouca estrutura prática de suporte emocional voltada à categoria.
Estratégias como:
- supervisão clínica,
- grupos de apoio,
- acompanhamento psicológico,
- educação emocional durante a graduação,
já mostraram redução nos níveis de sofrimento moral em países como Canadá e Reino Unido — e poderiam ser mais exploradas no Brasil.
Conclusão
A eutanásia faz parte da Medicina Veterinária, mas não deveria ser encarada como algo simples ou neutro. O impacto psicológico é real e pode se acumular ao longo dos anos quando não há suporte ou espaço para falar sobre isso.
Reconhecer esse peso não desvaloriza a profissão — pelo contrário: humaniza o médico-veterinário e fortalece o cuidado com o paciente e com o tutor.
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